27 de abril de 2012

Pode um deficiente mental receber a comunhão eucarística? (Maria Lúcia)

Maria Lúcia,
recentemente, na Itália, um Padre negou a comunhão a um menino deficiente de dez anos que sofre de uma grave deficiência mental. O menino não seria, segundo o sacerdote, capaz de compreender o mistério da Eucaristia.
A decisão de Piergiorgio Zaghi, pároco de Porto Garibaldi, em Ferrara, na Itália, que havia falado sobre isso em uma homilia, dividiu os paroquianos e provocou um forte debate. Os leigos da cidade condenaram o comportamento do sacerdote, enquanto os paroquianos se dividiram entre aqueles que se dizem próximos à escolha do pároco (lembrando também o fato de que os pais estão divorciados e não o acompanham continuamente à missa e à catequese) e aqueles que estão mais perplexos, referindo-se também ao apelo do papa para garantir a Eucaristia, na medida do possível, mesmo aos deficientes mentais.
"É incrível que essas coisas aconteçam". O Pe. Andrea Gallo não usa meias palavras ao comentar a notícia do pároco da província de Ferrara que pulou na fila da Eucaristia um menino com limitação mental. A comunhão é um "momento altíssimo", em que "o corpo de Jesus é 'partido' para todos, em que se diz do sangue 'bebam todos'", explica Pe. Gallo. "Tomemos o exemplo das primeiras comunidades cristãs: naquela época não havia a hóstia, mas sim o pão que justamente se partia para todos. Nesse gesto, as migalhas que restavam eram também dadas a todos os presentes. E, depois, este menino também havia participado da catequese".
Segundo o Pe. Gallo, "mesmo que o menino tivesse dificuldade para engolir, esse problema poderia ser superado, imagine... Ele andava em um corpo martirizado, sofredor. Quem pode dizer qual é a verdadeira e real  linguagem e compreensão de um deficiente? Às vezes, eles falam com um gesto, com os olhos".
O Pe. Gallo encontra "deficientes mentais todos os dias. Eles falam com os olhos, com pequenos gestos. O pároco diz que era importante entender se o menino intuía a dimensão do sacramento? Eu só estou dizendo que não se podia excluí-lo com esse gesto. Quem me diz, ao contrário, que aqueles que fazem a comunhão a entendem? Pode acontecer, até mesmo comigo, que a fé possa vacilar: mas depois eu me confio a Jesus, porque o amor não exclui ninguém. Como reparar este dano? dando-lhe o pão, pondo-o no centro, fazendo-o entender que ele não está excluído de nada".
Para o Pe. Giovanni Ramonda, responsável da Comunidade João XXIII, fundada pelo Pe. Benzi, "como a uma criatura predileta pelo Senhor é negado o seu corpo e o seu sangue. Fiquemos atentos para não filtrar os mosquitos e engolir os camelos. Como dizia o Pe. Benzi, os deficientes são 'anjos crucificados'".
O episódio foi definido como "absurdo, não apenas no plano ético, mas principalmente no que diz respeito aos direitos fundamentais reconhecidos às crianças", diz o sociólogo Antonio Marziale, presidente do Observatório dos Direitos dos Menores. "Estou transtornado com o episódio – disse – que denuncia um estado de obscurantismo cultural digno do pior da Idade Média". A decisão foi duramente criticada também pela associação de católicos progressistas Nós Somos Igreja. "Em Porto Garibaldi – disse o coordenador regional Giuliano Bianco – tem-se a impressão de que a Igreja perdeu de vista a presença real de Cristo na Eucaristia: quem sonharia em proibir a uma mãe e a um pai, que levam o seu filhinho, incapaz de entender e de querer, diante da presença de Jesus de se aproximar, de tocar e de receber o Salvador?".

O ''sim'' do papa aos deficientes
Bento XVI, na exortação apostólica de 2007 Sacramentum Caritatis apaga qualquer dúvida sobre a comunhão dos deficientes.
A nota é de Giacomo Galeazzi, publicada no blog Oltretevere, 12-04-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O santo papa Pio X havia fixado uma idade limite para a primeira comunhão: pode receber a Eucaristia quem é capaz de distinguir o Pão de Deus do pão material. E, por isso, é melhor esperar os 9-10 anos para administrar o sacramento, mesmo que a Igreja Católica jamais condenou a prática consolidada nas comunidades orientais de conceder a comunhão logo depois do batismo, ou seja, a bebês recém-nascidos.
Bento XVI, na exortação apostólica de 2007 Sacramentum Caritatis, apaga todas as dúvidas. "Seja garantida também a comunhão eucarística, na medida do possível, aos deficientes mentais, batizados e crismados: eles recebem a Eucaristia na fé também da família ou da comunidade que os acompanha", esclarece Joseph Ratzinger, pontífice teólogo e pastor. E o "na medida do possível" se refere a uma possibilidade física, não mental (por exemplo, se os deficientes conseguem engolir e ingerir a hóstia ou não).

11 de abril de 2012

Retirar o crucifixo das repartições públicas?


 Rute Costa pergunta: por que querem tirar o crucifixo das repartições públicas, tribunais....?

Joel Pinheiro da Fonseca, mestrando em Filosofia, é diretor da revista cultura Dicta&Contradicta, Gazeta do Povo – PR, escreveu muito bem sobre isso num artigo intitulado "O crucifixo no banco dos réus".
Acredito que aqui, Rute, você encontre uma bonita resposta. Eis o texto:
"Estão tirando os crucifixos dos tribunais. Tudo em nome do Estado laico. Não sou jurista; não sei dizer se o crucifixo viola nossa legislação. Proponho, então, analisar o conceito de Estado laico e comparar diferentes aplicações possíveis dele à luz da razão.
Estado laico é aquele que não tem vínculos institucionais com nenhuma religião e que é regido por leis cuja autoridade não se deriva de nenhum artigo de fé. Isso convive muito bem com expressões de fé, pois o Estado pode reconhecer que diversas crenças são socialmente positivas e de acordo com os valores do próprio Estado, e assim acolhe suas manifestações. o caso dos EUA, primeiro Estado laico e que mantém uma estrita separação entre governo e igrejas: lá não se vê contradição entre a laicidade e o fato do presidente participar de orações públicas (embora em outras áreas um secularismo mais raivoso esteja ganhando espaço). Obama, no último National Prayer Breakfast, afirmou que sua fé cristã está por trás de suas visões sobre a economia. Nada disso compromete a Constituição ou a total isenção dos tribunais.
O Estado laico benevolente reconhece sua própria história e tradições, sem por isso torná-las normativas. A fé ou ausência dela é uma questão individual que naturalmente transborda para a arena pública. Impedir esse movimento natural é impedir que os homens vivam de acordo com suas crenças.
A alternativa ao laicismo harmônico é o antagônico. Para esse Estado laico (ou seria ateu?), a religião não existe e não deve chegar perto dele. Portanto, tirem-se os crucifixos dos tribunais. Abolam-se também os feriados religiosos – Páscoa e Natal inclusos, claro – bem como o descanso de domingo. Mudemos os próprios nomes dos dias da semana, que, em português, seguem a nomenclatura dada pela Igreja; criemos nomes laicos. Tiremos também as marcas não cristãs, como a estátua da Justiça personificada com sua balança, que nossa sociedade, quando era oficialmente cristã, nunca fez questão de erradicar, mas que é inaceitável para o novo ideal de laicidade. Criemos a ficção de que a cultura e as instituições públicas sejam perfeitamente separáveis.
Voltando à sanidade, há bons motivos para o crucifixo figurar no tribunal? Há. O primeiro é que nossa sociedade é, histórica e atualmente, cristã. Seus símbolos são parte de nossa cultura. Isso não impede, inclusive, que símbolos de outras religiões também integrem o tribunal de uma região em que sejam relevantes.
Ademais, nossa tradição jurídica passa pelo cristianismo e pela Igreja Católica. Nossas ideias de justiça e de que todos os seres humanos são iguais, independentemente de raça, sexo ou classe social, têm origem cristã. Também não foram poucos os esforços da Igreja romana em substituir os verdadeiramente bárbaros julgamentos por ordália (os famosos testes de inocência ou culpa que dependiam de algum efeito natural) dos povos convertidos pelo julgamento racional com evidências e testemunhas. E por mais incrível que pareça, os tribunais eclesiásticos foram pioneiros em coibir a confissão sob tortura.
Nada disso nega ou diminui a importância do direito romano, originado numa civilização não cristã, e cujos símbolos continuam a povoar nossos tribunais e a colorir nosso mundo jurídico. Por essas e outras influências, aqui estamos nós e nossas instituições. Por que não celebrar sua história e seu presente?
Há quem veja no crucifixo um fator ofensivo a não cristãos. Supondo que alguém de fato se ofenda, isso revela mais sobre ele, e sobre a fragilidade vaidosa que nossa sociedade tem cultivado, do que sobre o crucifixo. A Justiça brasileira já não depende da fé cristã para que aceitemos seus critérios. Ir além disso e retirar o símbolo da religião que se coaduna a esses critérios é exigir que toda uma cultura se apague só para que eu não seja, em momento algum, lembrado da existência de credos que não professo.
O Estado laico não precisa ser inimigo da religião, e nem precisa fingir que ela não existe. Faz todo sentido que os crucifixos estejam nos tribunais, embora não seja nenhum crime contra a humanidade se eles não estiverem. Que isso tenha virado questão é mais sério, por ilustrar o caráter beligerante de nosso secularismo, do que a questão em si."
O que mais podemos acrescentar?